terça-feira, março 20, 2007

Tais: Os Têxteis de Timor-Leste



A partir de um texto de Maria José Sacchetti, Arquitecta, Profesora auxiliar da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.

A ilha de Timor, longa e estreita, com a forma semelhante a um cro­codilo, segundo uma das lendas da tradição Maubere, está inserida no arquipélago indonésio, situada a menos de 500 quilómetros da Austrália.
No caso específico de Timor-Leste, que ocupa metade da ilha, torna-se muito difícil identificar e territorializar os vários grupos étnicos, com uma grande diversidade cultural e linguística, provenientes das antigas guerras internas e das consequentes integrações de subgrupos em outros grupos.

É preciso entender que apesar de Timor-Leste se encontrar dividido em treze distritos, as diferentes línguas são cerca de quinze e distribuem-se de uma forma esparsa e errática por todo o território. Tal diversificação é transposta para os têxteis, em termos de cores, motivos e técnicas usados na tecelagem.

O significado dos têxteis

Os têxteis que saem dos teares não são destinados prioritariamente a serem usados, excepto quando já estão gastos ou se destinam a cerimónias que celebram as várias fases da vida de um indivíduo: apresentação de um recém-nascido, dia de iniciação na caça de um jovem guerreiro, casamento, enterro, etc.. Ou ainda em certos rituais que se prendem com as tradições do grupo: inauguração de uma casa, p.ex. Em todas estas cerimónias está implicado o indivíduo, a linhagem, a família e a etnia ou grupo em que ele se encontra inserido, e é aqui que os têxteis ganham uma importância relevante, como produtos de troca nas relações sociais e eco­nómicas, assegurando a sobrevivência da linhagem e do grupo.

As fibras e as tingiduras

Os vários processos de fiação e tecelagem têm lugar essen­cialmente durante a estação seca. São actividades femininas, muito valorizadas pelos membros masculinos e femininos de cada grupo, inteiramente conscientes da importância dos têxteis nas relações mencionadas anteriormente.
A principal fibra utilizada é o algodão, e onde ele é cultivado a fiação manual é ainda comum, especialmente para têxteis que possuam um carácter especial.

O algodão comercializado e fios pré-tingidos encontram-se com facilidade nos mercados regionais, assim como corantes químicos. A cidade de Lospalos, por exemplo, é conhecida pela sua produção têxtil, utilizando o fio comercializado e corantes químicos.
As fibras sintéticas têm, consistentemente, feito a sua intrusão nos têxteis, e hoje é possível adquiri-las na maioria dos mercados regionais: rayon, acetato, acrílico e polyester, para além de fios metálicos, na maioria dourados (antigamente obtidos, nalgumas regiões, a partir da fundição de moedas holandesas).
Contudo, as tingiduras naturais são muito usadas em toda a ilha, sendo o vermelho a cor dominante. A explicação para este facto não é clara. Embora existam alguns autores que apontam para uma inspiração a partir do tom das buganvílias em flor durante a estação seca, esta cor, para muitas comunidades timorenses, está tradicionalmente associada à vida, ao sangue e à coragem.
Timor tornou-se conhecido pelas cores vivas dos seus têxteis, embora essa não seja uma característica comum em todo o território de Timor-Leste.

Os teares tradicionais


O fabrico das armações, onde é executada a técnica do ikat e teares, está geralmente a cargo dos homens. Complexos de serem entendidos no seu funcionamento, possuem, na esmagadora maioria dos casos, um aspecto muito rudimentar.
Uma vez os fios paralelos uns aos outros, a tecedeira inicia o seu minucioso trabalho de atar, cobrindo pequenas porções de vários fios, de maneira a formar um desenho, só visível bastantes dias mais tarde, após o tingimento e novo esticamento das meadas na teia.

Os teares, bem mais complexos nos seus componentes, mas igualmente rudimentares, são teares de cintura. Estes obrigam as tecedeiras a trabalhar sentadas no chão de pernas estendidas, geralmente em esteiras por elas elaboradas, esticando o próprio tear e a teia, com a tensão exercida pelo seu corpo, atra­vés de uma cinta que ela faz passar nas costas, na zona lombar.

A tecelagem é feita por tecedeiras que vivem nas comunidades locais, onde elas e as suas famílias são responsáveis por todo o processo, desde a preparação dos fios à operação de atar as linhas para formar o desenho, ao tingimento dos fios culminando com a tecelagem dos panos. A produção inclui muitas vezes a combinação das técnicas de ikat e sotis (passagem suplementar na teia).

Os diversos tais

Embora o vestuário ocidental seja largamente usado no dia-a-dia, os têxteis locais ainda têm um significado muito importante nos rituais que celebram as mudanças das várias fases da vida ou o status social, nos rituais anímicos ou outros que se prendem com a agricultura. Nas cerimónias, os homens vestem panos rectangu­lares, denominados "tais mane", compostos por dois ou três painéis cosidos entre si, que envergam à volta da cintura, e as mulheres vestem "tais feto" semelhantes, mas cosidos numa forma tubular, para assentar justo ao corpo, usados à volta da cintura ou atravessados na zona do peito, apenas com uma prega em baixo para permitir o movimento. Pequenas faixas (salendas) são muito populares como elementos de troca ou como presentes. Ambos os tais, para além de serem usados nas cerimónias, rituais religiosos e festas, constituem igualmente presentes muito apreciados para dar e trocar entre os membros da comunidade.

Os motivos tradicionais

Os padrões e os motivos têm um grande significado para os timorenses, tanto para aqueles que tecem como para os que vestem os tais.
Por toda a ilha, os motivos continuam a ser tradicionais na sua origem. Estes evocam maioritariamente os animais e elementos da natureza, directamente associados aos mitos e aos ritos tradicionais: figuras antropomórficas com os braços e as mãos esticados são comuns, assim como representações zoomórficas de pássaros, galos, crocodilos, cavalos, peixes e insectos de água. Plantas, árvores (origem da vida e centro do mundo), e folhas, também surgem de uma forma consistente. Os desenhos geométricos, semelhantes a ganchos e losangos, localmente conhecidos por kaif, são de um modo geral interpretações da cultura Dong-Son.
Estes motivos foram todos herdados dos antepassados, e, tal como as receitas, transmitidos de mãe para filha. Os desenhos são sistemas de reconhecimento de uma linguagem cultural e representam os mitos ancestrais de todo o grupo e os seus símbolos. Mesmo quando estes motivos não podem ser associados a qualquer simbologia cultural, representam sempre mais do que uma mera decoração, como por exemplo o prestígio do indivíduo que enverga o tais, a sua posição na escala social, etc.

Os tais de Timor-Leste

Em Díli, os tais têm um cariz mais comercial e surgem com cores vivas e faixas muito estreitas em ikat, intercaladas com muitas outras estreitas riscas em cores sólidas. São usados o fio de algodão importado e corantes químicos, mas o processo meticuloso de elaborar o desenho através do atamento das linhas e tingimento do padrão nos fios, segue o método das vilas mais remotas.

Possivelmente devido à influência portuguesa que acabou por deixar marcas relevantes na vivência nesta metade da ilha, os motivos florais de inspiração europeia, assim como os de inspiração religiosa, são os mais evidentes, suplantando os motivos do gancho e do losango que encontramos em Timor Ocidental.

Fonte: http://www.turismotimorleste.com/

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